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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Ensinar uma nova língua para a aquisição

Caros Colegas, navegando pela rede, encontrei este artigo a respeito do ensino de língua para aquisição. Tem tudo haver com a Proposta do CEL. Vale a pena conferir
Abraços,
Matilde


1. Introdução

Começamos por estabelecer uma base para a proposta de que é distinto ensinar língua para aquisição. Essa modalidade de aprender sem que haja esforço concentrado, premeditado e sistemático na memorização de regras e na produção monitorada de frases é intrigante. Na nossa longa história de ensino das línguas predominou uma ortodoxia gramatical (uma ABORDAGEM GRAMATICAL) com foco na aprendizagem consciente de língua, principalmente entre adultos. Essa visão é compatível com uma equação racional do aprendizado de um novo idioma e até da própria L1 nos contextos escolares.

Por oposição a essa visão prosperou desde os anos 70 uma concepção natural ou humanista de aprendizagem subconsciente, baseada na absorção do sistema da língua-alvo mediante experiências relevantes e interessantes envolvendo o aprendiz-adquiridor e de cujo transcurso ou processo via funções cerebrais específicas não se dão conta os aprendizes.

A aquisição propicia com o tempo fluência e é duradoura. Ela opera em tempo e vida reais com naturalidade, sem pensar no processo adquiridor a cada passo, como se fosse uma segunda natureza sendo desenvolvida no novo idioma almejado. Aprender (conscientemente) uma língua na sala de aula de uma escola é uma fenômeno antigo e moderno ao mesmo tempo que acentua a escolha da gramática como matéria natural da disciplina “língua estrangeira” do currículo escolar. Voltaremos mais adiante a este aspecto disciplinar do estudo das línguas equiparando-se às outras disciplinas de conteúdo. Esse fato teve repercussões importantes para a forma de aprender línguas conforme veremos.

Aprendem-se línguas mas o desejo real das pessoas hoje em dia se concentra mais no adquirir uma competência de uso que lhes sirva de verdade para circular socialmente nessa língua-alvo pretendida para nela fazer coisas ou obter efeitos. Nosso propósito com este texto foi o de ajudar professores de línguas e de PLE em particular a responder perguntas encadeadas como: pode-se ensinar aquisição? Ou, melhor dizendo, pode-se ensinar para esperar que a aquisição ocorra nos alunos? Como produzir ensino que promova aquisição? São essas indagações que nos guiaram na construção deste capítulo derradeiro deste volume.

2. Ensinar para a aquisição

Alguns critérios se impõem para reconhecermos quando estamos produzindo um processo de aquisição e não de aprendizagem de língua no sentido estrito que formulamos acima. Em primeiro lugar, nessa modalidade podemos observar que a língua dita estrangeira no início do processo começa a deixar de ser alheia e dá sinais de converter-se numa língua que passa a ser do aprendente também. O aluno no modo adquiridor dá mostras de compreender o que se expressa na nova língua e ensaia dizer o que precisa ser dito no estabelecimento de relações, na apresentação de si nesse idioma, no esforço por construir sentidos e conhecimentos nessa língua e de ser compreensível de alguma maneira. A nova língua já circula com crescente naturalidade na sala e os aprendizes teem ocasiões também crescentes de produzir sentidos nela. Os assuntos tratados, aquilo do que se fala parece interessar os participantes e questões de língua podem ser levantadas, perguntadas e mostradas como irresolvidas. O professor pode, nesses momentos, ensinar com sistematização e até fazer seguimento com imitações e repetições para firmar novos e difusos pontos de língua. É preciso, portanto, ler os sinais que emitem os aprendizes para sinalizar quando necessitam de sistematização de aspectos regrados da língua-alvo.

É necessário ainda que as condições afetivas ou emocionais da sala e dos próprios alunos sejam favoráveis. Motivações de vários tipos em níveis desejáveis e sustentados por períodos mais longos, baixa ansiedade frente aos outros participantes, auto-estima positiva, pouca vulnerabilidade a pressões negativizantes de terceiros principalmente fora da sala, identificação com aspectos culturais associados à nova língua, ausência de bloqueios herdados de experiências ruins no passado, todos esses fatores se combinam para produzir um ótimo de absorção. Os alunos em aquisição mostram ainda esforço por aprender e aperfeiçoam sua consciência e estratégias de autonomização no processo ao formarem-se como adquiridores de novas línguas.

O nível de dificuldade do que se ouve ou produz na nova língua estará sempre um passo adiante do que já podem compreender e fazer os aprendentes-adquiridores num dado momento.

Os professores devem perguntar-se o tempo todo se estão fazendo aberturas em suas aulas para que ocorra aquisição. Essa atitude se configura como procedimento adequado para professores que almejam ser reflexivos em sua formação e desempenho profissional reflexivos. Pode perfeitamente ocorrer que seja necessário ensinar menos língua e mais conteúdos outros de outras áreas ou disciplinas para indicar a prioridade do professor. Essa prioridade dos conteúdos restaura a ideia de que língua não deveria ser preferencialmente tratada como objeto de estudo como é o caso da disciplina Linguística. Essa foi uma distorção do currículo que em algum momento passou a tratar língua como disciplina comum elegendo sua gramática como matéria. Ora, as línguas produzem o conhecimento das outras disciplinas e essa é uma distinção da sua natureza.

O ensino para a aquisição realizado com o concurso da construção ou reconstrução de corpos de conhecimento restaura a natureza da linguagem, mas deve ser preferencialmente pactuado com os alunos para que saibam o que se almeja e explorem maneiras cada vez mais apropriadas de conduzir o processo para a aquisição. Ensinar menos língua pode equivaler a ensinar mais sobre temas, áreas de conhecimento e projetos, por exemplo. Essas escolhas devem levar a maior produção interessada na nova língua durante mais tempo nas aulas e nas extensões dela. Estamos pressupondo que os aprendizes serão consultados sobre suas preferências temáticas. Ao desenvolver tópicos, tarefas e projetos pelos quais possa ser nutrido interesse (ou percepção de relevância igualmente) pressupomos não só interesse sustentado mas também suprimento e produção contínuos de insumo na nova língua capazes de gerar aquisição.

Esse estado de mobilização dos participantes nas salas levam ainda a atividades mais longas que tomam mais de uma aula ou partes de duas ou três aulas seguidas. Momentos de aprendizagem racional da parte sistêmica também teem muita probabilidade de ocorrer conforme afirmamos antes. Esses momentos, breves como soem ser, ocorrem para fortalecer o monitor memorizado que por sua vez pode servir à aquisição em condições específicas.

A transparência de uma nova língua para o falante de outra língua próxima como o é o Português para falantes do Espanhol, facilita introduzir o ensino para a aquisição mais cedo e com menos esforços por modificar a língua-alvo para ser compreendida nas fases iniciais quando a língua é naturalmente mais estrangeira. Mas isso não quer dizer, absolutamente, que não se pode ensinar línguas tipologicamente distantes para a aquisição. O impacto disso será tão somente um esmero na produção da nova língua como meio de comunicação na nova comunidade formada para facilitar a compreensão. Esmero pode significar falar mais lento, escrever menos e com mais foco no início exercitando a linguagem chamada de professores, ou seja, a linguagem do professor para se dirigir com compreensão aos seus alunos em fase inicial.

3. Precauções e questões posteriores

A opção por ensinar para a aquisição não é matéria para decisão num momento e implementação imediata. Os professores e mesmo os aprendizes devem ponderar sobre as implicações depois de se inteirarem da base teórica que justifica essa posição filosófica atrelada à abordagem
comunicacional em última instância. Aqui fizemos apenas uma incursão breve e necessariamente redutora da complexidade que o tema comanda.

Os professores ou coordenadores de cursos devem se perguntar:

(1) O que é melhor para meus alunos e para mim, ensinar para a aprendizagem ou para a aquisição?

(2) Para professores brasileiros não-nativos, que dificuldades há que se ter em conta?

(3) Há materiais disponíveis para imediata adoção que objetivem a aquisição?

(4) Como começar a ensinar para a aquisição?

A resposta para a primeira indagação vai tender a ser a aquisição. Ela ajuda a implantar uma capacidade de uso efetivo da nova língua que é algo desejável na sociedade tecnológica do conhecimento. Dificilmente vamos encontrar alunos interessados apenas em saber sobre o sistema da nova língua negligenciando o uso dela para fins reais sociais. Um dos impactos da decisão de se ensinar assim será a demanda por maior competência comunicacional no novo idioma por parte de professores não-nativos, a esmagadora maioria no caso brasileiro. Os professores terão de buscar maior capacidade de uso efetivo da língua-alvo mas a prática do ensino para a aquisição também leva a esse maior desempenho requerido com o passar do tempo. A outra grande limitação é a escassez de materiais de ensino para a aquisição. Combate-se essa ausência com produção de novos materiais capazes de criar as condições para que ocorra a aquisição. Começa-se por preparar-se o professor. Depois preparam-se os alunos para a nova modalidade. Uma unidade específica em cada um dos dois semestres de um ano podem ser campo propício para experimentação fundamentada e criteriosa antes de se implantar a nova modalidade. Muitas vezes, quando o quadro curricular não tolera mesmo essa experimentação parcial, o professor pode experimentar numa classe extensional que possa organizar na cidade. Uma igreja, um sindicato, uma sala nos fundos de casa, todas podem ser opções para quem estiver convencido de que há mais na aprendizagem de línguas do que nossos olhos e ouvidos se acostumaram a reconhecer.

José Carlos Paes de Almeida Filho -
Professor Dr. do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade de Brasília
jcpaes@unb.br jcpaes@unb.br


Fonte:http://www.sala.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=68:ensinar-uma-nova-lingua-para-a-aquisicao-&catid=41:textos-em-la&Itemid=161

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